Governo atrasa remédios e pacientes correm risco de morte após transplantes

Portal Plantão Brasil
18/11/2017 16:08

Governo atrasa remédios e pacientes correm risco de morte após transplantes

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2153 visitas - Fonte: Uol

Por dois anos, Maria do Socorro Rodrigues, 49, viveu em sofrimento, após receber o diagnóstico de colangite esclerosante primária, uma doença rara que inflama os dutos biliares, gerando cicatrizes e a obstrução desses canais. Passou outros quatro meses na fila de espera por um transplante de fígado.







Recebeu uma ligação em maio deste ano informando que o órgão de que ela precisava para sua operação havia chegado. Foi para a sala de cirurgia e pensou que seus pesadelos haviam acabado.



Foram nove horas na cirurgia e 35 dias de interação antes de poder voltar para casa, no município de Campina Grande (PB).



Corria tudo bem na recuperação, até que ela passou a enfrentar problemas para receber o Tacrolimo, medicamento para evitar a rejeição do órgão transplantado. Essa mesma situação aflige cerca de 400 outros pacientes na Paraíba, segundo a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PB).



Diariamente, Maria do Socorro precisa tomar sete comprimidos de Tacrolimo. São três pela manhã e quatro à noite. Por recomendação médica e risco de rejeição do fígado, a paciente não pode ficar sem tomar nem um comprimido sequer, sob risco, inclusive, de morte.



"A gente pensa que o mais difícil é conseguir o órgão. Confesso que nunca pensei que passaria por isso. Vivemos em um total estado de insegurança e apreensão porque hoje eu tenho o medicamento, mas e amanhã? Quem me garante que vou receber?", afirma.







"Eu tenho medo de morrer"

Maria do Socorro não tem condições de comprar o remédio, que custa em média R$ 1.200 por uma caixa com cem comprimidos. Mas não poderia mesmo que tivesse, porque o Tacrolimo não é encontrado facilmente nas farmácias. Isso devido ao valor alto e ao público restrito, o que não desperta interesse dos donos de farmácia.



Sendo assim, sua distribuição acaba sendo feita gratuitamente pelo Ministério da Saúde. O governo federal repassa o medicamento aos Estados e estes ficam responsáveis por distribuir para a população que necessita tomar.

Segundo os relatos dos entrevistados pela reportagem, a entrega deste remédio na Paraíba é irregular desde meados de fevereiro deste ano.



"Muitas vezes meu marido vai à central de distribuição e só pega comprimidos para dez ou 20 dias, quando deveria pegar para um mês inteiro", conta Maria do Socorro. "Para não ficar sem o remédio, eu já recorri a médicos do Recife, onde meu transplante foi realizado", completa.



No último dia 3 de novembro, ela recebeu 140 comprimidos de Tacrolimo, mas deveria ter ficado com 210. "Eu tenho medo de morrer. Fico temerosa com essa situação e bate a ansiedade. Um transplantado deveria evitar situações de estresse, segundo as recomendações médicas. Mas o que fazer numa situação dessa?"



"Vão esperar a gente morrer para resolver?"

O aposentado Wilson de Oliveira, 51, compartilha a mesma angústia de Maria do Socorro. Ele esperou oito meses por um transplante de fígado, realizado em fevereiro deste ano, e agora enfrenta o desafio de receber o Tacrolimo.



"Por várias vezes neste ano recebi fracionado para dez dias. A gente fica à mercê da burocracia. Será que vão esperar a gente morrer para resolver essa situação?", diz ele.



O problema dele é compartilhado com os três filhos e a mulher, temerosos do que possa acontecer. "Estou no período de maior cuidado, de fragilidade, e me vejo de mãos atadas. Não nos resta outra alternativa a não ser esperar. Além do risco de rejeição do órgão, é uma tortura psicológica", conta Oliveira.



Doações do remédio pelo WhatsApp

Há dois anos, pacientes transplantados da Paraíba encontraram um pouco de alívio por mensagens do WhatsApp, nas quais trocam experiências e se ajudam doando ou emprestando comprimidos de Tacrolimo.



A criadora do grupo é Danielle Paiva, presidente da Associação Paraibana de Transplantados e Familiares (Apheto). Ela acompanha de perto o drama dos pacientes.



"Infelizmente isso é uma realidade que aflige pacientes não só da Paraíba, mas de todo o Brasil. É doloroso saber que um transplante hepático custa cerca de R$ 70 mil e que muitos pacientes correm risco de rejeição pela falta de medicamento. O custo é muito alto", afirmou Danielle.



José Rodrigues/UOL



José Eymard de Medeiros Filho, especialista em doenças do fígado em João Pessoa

"Um órgão não tem preço", diz especialista em transplantes

A falta da medicação imunossupressora aos pacientes transplantados pode causar rejeição de órgão ou mesmo a morte, em casos mais graves, segundo o médico hepatologista José Eymard de Medeiros Filho, coordenador do setor de transplante de dois hospitais de João Pessoa.



O Tacrolimo, explica Medeiros, é a base de tratamento para quem faz transplante de fígado, rim ou coração.



Segundo o médico, o risco de rejeição depende de fatores como tipo de imunossupressão, tipo de transplante e tempo de operação. "Quanto mais tardio, melhor tolerância tem o enxerto do transplante."



Segundo ele, o fato de não tomar um ou dois comprimidos não necessariamente vai causar a rejeição do órgão. "Obviamente que, se o paciente fez o transplante há dois, três dias e deixa de tomar uma dose, que geralmente é de mais de um comprimido, essa pessoa, por estar em fase de adaptação, tem um risco maior do que outra pessoa que fez o transplante há mais tempo", diz.



A falta do Tacrolimo para transplantados de rim pode levar à perda do enxerto e ao retorno à hemodiálise. Já para fígado e coração, o risco é de perda do enxerto, retransplante ou mesmo a morte.



Medeiros conta ainda que a medicação até pode ser substituída dentro um planejamento a médio ou longo prazo, em virtude de efeitos colaterais, mas não deve ser trocada simplesmente porque o medicamento está em falta.



"Infelizmente, o fornecimento irregular pelo governo tem levado os pacientes a reduzirem o número de comprimidos que tomam para que possam ficar com algum grau de imunossupressão. Mas alguns pacientes têm realmente ficado sem medicação e isso, consequentemente, tem um risco muito elevado para eles."



Ele ressalta "o receio de que todo o trabalho médico e familiar seja prejudicado pela falta da medicação". "Muitos pacientes vão para outros Estados para receber o órgão e, quando retornam, se veem nessa situação. A gente tenta fazer ajustes, colocando os pacientes em contato uns com os outros para que possam ceder comprimidos, quando possível. O ideal é não passar por isso, pois é um investimento. E um órgão não tem preço", finalizou.



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