Para Mayra Pinheiro, não fornecer cloroquina no SUS seria um crime contra a humanidade

Portal Plantão Brasil
25/5/2021 14:13

Para Mayra Pinheiro, não fornecer cloroquina no SUS seria um crime contra a humanidade

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959 visitas - Fonte: O Globo

Chamada de "capitã cloroquina" pela CPI da Covid, em que depõe nesta terça-feira, a secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro protagonizou diversos embates no governo para tentar liberar o uso de cloroquina no Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento da Covid-19.



Num dos mais tensos – uma reunião virtual com procuradores da República, realizada em junho passado – ela afirmou que não fornecer cloroquina a pacientes do SUS poderia configurar omissão de socorro e crime contra a humanidade.







A secretária buscava demover a resistência do Ministério Público à adoção da cloroquina como tratamento oficial contra a Covid na rede pública.



A reunião, realizada em junho de 2020, foi registrada em vídeo pelo Ministério Público, tornada públicas no portal do MP e depois retirada da web. A equipe da coluna salvou o vídeo e disponibiliza trechos abaixo.



Naquele momento, procuradores de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Sergipe tinham entrado com uma representação ao Tribunal de Contas da União pedindo o veto ao uso de cloroquina nos pacientes com coronavírus e o próprio fornecimento do fármaco pela União, principalmente pelo fato de não haver comprovação científica de que a cloroquina seja eficaz no tratamento da Covid.



Mayra, porém, não se conformava. “Muitos de nós, médicos, serão (sic) julgados daqui a algum tempo por inação, por omissão de socorro, como crime contra a humanidade. E o que nós vamos fazer é possibilitar que esses profissionais que queiram usem seu livre arbítrio e usem o direito que foi orientado e conferido pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), para oferecer à população um direito."







A ideia acabaria abandonada em janeiro, depois que o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Benjamin Zymler, responsável pelos processos relacionados à Covid, respondeu à representação com um relatório contra o uso de cloroquina para o tratamento de Covid no SUS. Até que isso ocorresse, porém, o ministério da Saúde insistiu na estratégia.



O primeiro movimento na direção de oficializar a cloroquina foi a publicação de uma nota técnica que o Ministério da Saúde emitiu assim que Eduardo Pazuello assumiu o comando da pasta, no final de maio de 2020.



O documento orientava médicos do SUS a prescrever o remédio na fase inicial da doença combinado à azitromicina, desde que com o consentimento do paciente. A nota era o primeiro passo para colocar em prática o uso "off-label" da cloroquina na rede pública.







Só que os procuradores consideravam que não se devia aplicar o remédio a pacientes do SUS sem a criação de protocolos que regulassem quem deveria tomá-lo e em que circunstâncias.



Os membros do MP queriam ainda que o ministério da Saúde esclarecesse de que forma iria garantir que todos os doentes que receberiam a cloroquina tivessem acesso a exames cardiológicos para saber se tinham condição de tomar o medicamento, uma vez que estudos clínicos já indicavam que a substância poderia causar arritmia cardíaca.



O assunto era tão importante para o governo que o próprio Pazuello participou. Ele argumentou que a nota técnica era uma orientação “suave”, ou seja, sem grande impacto para o sistema. O então ministro alegou também que diversos medicamentos eram prescritos contra a Covid-19 a nível municipal à época, mas sem o amparo técnico ou jurídico supostamente garantido pelo documento discutido na reunião.







Quando o encontro foi realizado, em 1º de junho de 2020, o Brasil vivia o pior momento da pandemia até então, registrando mais de mil mortes diárias e se aproximando do primeiro pico da Covid-19 no país.



Sem fornecer os detalhes sobre os protocolos de atendimento exigidos pelos procuradores, ela afirmou que a distribuição de cloroquina pelo SUS corrigiria uma desigualdade, uma vez que os pacientes da rede privada tinham acesso ao medicamento e os da rede pública, não.



“As redes privadas orientam o uso (da cloroquina) para todos os seus pacientes, enquanto há uma oferta inadequada de orientações e prescrições para os brasileiros mais vulneráveis no SUS”, disse a secretária.



Na reunião, Mayra também chegou a sugerir que os índices de letalidade no SUS tinham a ver com a ausência do remédio no protocolo de atendimento aos pacientes que contraíram o coronavírus. A tese foi defendida por um dos especialistas convocados para discutir a cloroquina com os procuradores, Manoel Odorico de Moraes, professor da Universidade Federal do Ceará.



“Nós vimos que nos bairros pobres morrem muito mais”, disse Moraes. “Essas pessoas têm acesso ao medicamento e a um tratamento (precoce). O paciente do SUS não está tendo acesso ao medicamento (cloroquina)”.







Aos procuradores, a secretária afirmou que o ministério estava fechando uma parceria com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), presidida na ocasião pelo médico que viria a substituir Pazuello no ministério da Saúde, Marcelo Queiroga. Segundo ela, a parceria asseguraria ao SUS a realização de 200 mil eletrocardiogramas via telemedicina. Com isso, ela dizia que se poderia monitorar as condições dos pacientes tratados precocemente com a cloroquina até mesmo nos “rincões do Brasil”.



“A orientação precoce visa salvar mais vidas. Não estamos incorporando novas tecnologias. Estamos usando no enfrentamento da pandemia uma solução simples, de baixo custo, e praticamente sem efeitos colaterais”, defendeu Mayra.



Não era verdade. Na época, já havia estudos científicos robustos e publicados em revistas prestigiadas indicando que a cloroquina, usada com sucesso contra a malária, não era eficaz contra a Covid-19 e poderia apresentar riscos em doses mais elevadas.



Mayra também criticou governadores e prefeitos que represaram estoques de comprimidos do remédio por conta da falta de evidências do tratamento precoce.







“Cabe aos estados e municípios distribuir esse medicamento para as unidades de saúde para que os médicos consigam prescrever. Não temos ingerência para determinar aos governadores, prefeitos e secretários que entreguem as medicações às UPAs e às UBS”, afirmou a secretária, ressaltando que alguns estados tinham 200 mil comprimidos estocados e sem uso.



“Faço aqui um apelo às defensorias públicas estaduais, da União e aos diversos órgãos que podem legislar e proteger o cidadão, sobretudo aqueles menos favorecidos, que eles possam sim ter acesso à medicação (cloroquina) já garantida (pelos estoques)”



Na reunião, o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde Hélio Angotti Neto e médicos defensores da cloroquina argumentaram que determinadas convenções deveriam ser ignoradas em uma situação de exceção.







“O sentimento que move a publicação dessa nota informativa é a responsabilidade da administração pública – e o receio de que, com a prevaricação e a não publicação dessa nota, possamos colaborar de alguma forma com a morte de milhares de brasileiros”, afirmou Angotti.



“Eu faço um apelo à consciência de cada um de vocês, o espírito humanitário de cada um aqui presente, para que compreendam a gravidade da situação”.



Não adiantou. “Toda vez que alguém fala que a gente precisa passar por cima de leis porque estamos em uma situação excepcional, isso causa em qualquer operador do direito um arrepio muito grande na espinha”, protestou Alexandre Guedes, promotor do MPF-MT. “A maior parte dos males da humanidade se faz em situações de emergência, passando por cima da lei existente”.



Depois desse primeiro encontro, foi ainda realizado um outro, de que participou o presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Ribeiro, e outros pesquisadores convocados por Mayra. Em suas apresentações, os médicos reconheciam não haver prova da eficácia da cloroquina, mas ressaltavam ter notícia de resultados "promissores" em estudos em curso.







Até que, em janeiro de 2021, o ministro Zymler, do TCU, manifestou-se contra o uso da cloroquina. “Como não houve manifestação da Anvisa acerca da possibilidade de se utilizarem os medicamentos à base de cloroquina para tratamento da Covid-19 e tampouco dos órgãos internacionais, verifica-se não haver amparo legal para a utilização de recursos do SUS para o fornecimento desses medicamentos com essa finalidade”, escreveu Zymler em um relatório assinado no fim de janeiro.



O governo, então, abandonou oficialmente a iniciativa, mas nem assim Mayra desistiu. Foi a secretária quem idealizou a chamada Missão Manaus, que enviou médicos a Manaus para divulgar o remédio nas unidades básicas de saúde e de pronto atendimento.



Em ofício revelado então pela Folha de S. Paulo, ela alegou ser “inadmissível” as autoridades do Amazonas não adotarem o medicamento como protocolo contra a Covid-19. Os esforços ocorreram no momento em que a cidade sofria o recrudescimento da segunda onda, em janeiro, que desembocou no colapso do sistema e do fornecimento de oxigênio.







Em seu depoimento à CPI na última quarta-feira, Pazuello apontou a ex-subordinada como a idealizadora da Missão Manaus. Resta saber se Mayra, que permanece à frente de sua secretaria no ministério, irá implicar de alguma forma o ex-chefe na sua fala aos senadores hoje.



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