PF intercepta telefonema do presidente da Funai oferecendo interferir em favor de servidor preso

Portal Plantão Brasil
25/8/2022 14:10

PF intercepta telefonema do presidente da Funai oferecendo interferir em favor de servidor preso

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1024 visitas - Fonte: O Globo

Em um telefonema interceptado pela Polícia Federal com autorização da Justiça, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier, ofereceu apoio a um servidor do órgão preso por suspeita de participação num esquema de arrendamento ilegal de áreas indígenas em Mato Grosso. A gravação foi anexada a um relatório da PF que aponta que Xavier deu "sustentação à ilegalidade". Procurado, o presidente da Funai não quis comentar.


A interceptação da PF que flagrou Xavier foi feita no início deste ano durante a investigação que prendeu o chefe da Funai no município de Ribeirão Cascalheira (MT), o ex-fuzileiro naval Jussielson Silva, além de um policial militar e um ex-PM, sob a suspeita de cobrança de propina para alugar pastos ilegalmente na reserva indígena Marãiwatsédé. A região ocupa uma área equivalente a 165 mil campos de futebol espalhados em três municípios matogrossenses. No local, segundo o Instituto Socioambiental (ISA), há 781 indígenas xavantes em mais de dez aldeias.

No dia 18 de fevereiro, o presidente da Funai e Jussielson da Silva, o servidor do órgão, conversaram ao telefone por 5 minutos e 48 segundos. A PF havia procurado Jussielson em busca de informações sobre os fazendeiros que alugavam os pastos para gados. No diálogo, Xavier protesta e diz que já havia entrado em contato com a delegacia da PF responsável pela investigação, localizada em Barra do Garças.


“Deixa eu te falar uma coisa: eu falei agora com o chefe da Delegacia aqui e me parece que eles tão com uma má vontade enorme”, disse o presidente da Funai. Xavier, então, promete tomar providências contra os colegas que estavam no encalço do servidor e disse que iria recorrer às corregedorias da corporação, departamento encarregado de apurar eventuais desvios de conduta de policiais. "Eu vou dar ciência já do caso ao corregedor lá de Mato Grosso, ao corregedor nacional da Polícia Federal aqui e já vou acionar nossa corregedoria pra atuar nisso aqui. Pode ficar tranquilo", afirmou.

Em seguida, Jussielson da Silva se mostrou grato pelo apoio do chefe e respondeu: “Sim, eu agradeço porque a gente está na ponta da lança. O senhor é o meu apoio de fogo. O senhor me protegendo, fico mais feliz ainda”, diz o servidor, atualmente preso. Marcelo Xavier, então, tenta acalmar o investigado: “Pode ficar tranquilo aí que você tem toda a sustentação aqui. Pode ficar sossegado”.

Procurado, o advogado Paulo Vindoura, que representa as defesas de Jussielson e outros dois presos informou que não vai se pronunciar.


Investigação

As ligações do presidente da Funai, interceptadas com autorização judicial, estão sendo investigadas pela PF, que diz em um relatório encaminhado à Justiça Federal que "é possível concluir que o presidente do órgão, Marcelo, tem conhecimento do que está se passando, sendo possível que esteja dando sustentação à ilegalidade ora investigada (arrendamento em terra indígena)".

No mesmo relatório, o delegado Mario Sérgio de Oliveira, responsável pela investigação, afirma que “tal demonstração de autoridade (de Xavier) permite inferir uma disposição por parte do presidente da Funai em interferir no trabalho investigativo da Polícia Federal”.

Ao analisar a investigação do esquema de aluguel de pastos na reserva indígena Marãiwatsédé, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou Jussielson Silva e outros dois investigados pelos crimes de peculato e associação criminosa, entre outros.


Durante as investigações, a PF constatou que havia 70 mil cabeças de gados espalhadas por 42 pontos da reserva Marãiwatsédé. O arrendamento de terras indígenas é proibido desde 1973, quando foi sancionado o Estatuto do Índio.

Em nota, a Funai informou que Jussielson Silva foi exonerado e que o órgão "se mantém à disposição das autoridades policiais para colaborar com as investigações". A autarquia afirma que "desde 2018 busca uma solução para o impasse envolvendo a prática de arrendamento na Terra Indígena Marãiwatsédé em diálogo constante com o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal" sobre o tema.

A Funai também informou que a assessoria da Presidência do órgão indígena se reuniu com o procurador do caso para a "construção de um potencial Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)". Os esforços foram interrompidos "durante a pandemia" para priorizar "ações voltadas à segurança alimentar dos indígenas, com a entrega de cestas básicas em aldeias", segundo a Funai.


A fundação pontuou ainda que encaminhou relatório de levantamento de dados sobre o território indígena Marãiwatsédé à PF e ao Ministério Público Federal em setembro e outubro do ano passado, respectivamente. Os documentos, contudo, foram produzidos após o MPF abrir uma ação para obrigar a retirada do gado da terra indígena, em fevereiro do ano passado.

– Houve uma tentativa do MPF de buscar construir uma solução com a Funai para cessar os arrendamentos e retirar o gado, mas, por inércia da Funai, não avançou. A Funai sempre reabria discussões. Por tal razão, o MPF ajuizou uma Ação Civil Pública para promover a retirada do gado da terra indígena – diz o procurador Everton Araújo, acrescentando: – Na ação, a Funai pede a improcedência dos pedidos, ou seja, pede que o pedido do MPF para retirar o gado seja julgado improcedente.

Homologada em 1998, a terra indígena Marãiwatsédé ("Mata fechada", no idioma xavante), tem um histórico de ocupação ilegal desde que foi criada. Nos anos 2000 cerca de 3 mil famílias de posseiros viviam no local. Ao longo dos anos, criadores de gado passaram a ocupar o território ilegalmente, o que aumentou a concentração de grandes áreas sob o controle de poucos fazendeiros.


’Poder armado’

A PF descreve as condutas de Jussielson e de seus dois comparsas como de um "poder armado" na região, portando armamentos pesados, o que é incomum entre servidores do órgão indígena. O relatório policial destaca a origem militar dos três — o chefe da Funai é militar da reserva da Marinha e outros dois, da PM do Amazonas.

A investigação afirma ainda que as armas eram usadas pelo trio como forma de intimidação e que, em buscas na casa de um deles, foi encontrada uma arma com a numeração raspada, o que é ilegal.


Histórico

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal determinou a devolução aos indígenas da terra de 165 mil hectares, espalhados pelos municípios de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia, em Mato Grosso. No ano seguinte, os invasores foram expulsos pela Força Nacional de Segurança.

Desde 2017, ao menos, alguns indígenas começaram a arrendar parte do território alegando necessidade de conseguir fundos para a manutenção das aldeias. O preço cobrado era de R$ 8 por cabeça de gado. Com o envolvimento de servidores da Funai nos arrendamentos, segundo a PF, o valor saltou para R$ 30.

Em março, a PF descobriu que Jussielson estaria cobrando uma propina de R$ 50 mil dos fazendeiros interessados em alugar o pasto dentro da reserva, uma das terras indígenas mais desmatadas do país. Além disso, o inquérito apontou que o servidor e outros dois comparsas cobravam propinas para direcionar os pastos de fazendeiros desistentes a outros pecuaristas, além de uma taxa de R$ 5 por hectare para medir o tamanho das áreas destinadas ao gado com a ajuda de um drone.


Segundo informações da Polícia Federal coletada com um dos investigados, a atividade de arrendamento de pasto dentro da comunidade indígena gerava um lucro de R$ 899 mil por mês. O recebimento desses recursos, de acordo com a PF, era controlado por meio de um grupo de WhatsApp administrado pela coordenação regional da Funai.

A PF constatou este ano que havia 70 mil cabeças de gado espalhadas por 42 pontos da terra indígena.

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