803 visitas - Fonte: Jornal Gnn
A conta é simples. O crédito no país representa cerca de 60% do PIB. Sobre este estoque incidem juros, apropriados por intermediários financeiros. Analisar esta massa de recursos, na sua origem e destino é, portanto, fundamental. Eu simplesmente juntei as peças, conhecidas, pare evidenciar a engrenagem. Aqui vai o esqueleto do artigo anexo.
Pense que o crediário cobra, por exemplo, 104% para “artigos do lar” comprados a prazo. Acrescente os 238% do rotativo no cartão, os mais de 160% no cheque especial, e você tem mais da metade da capacidade de compra dos novos consumidores drenada para intermediários financeiros, esterilizando grande parte da dinamização da economia pelo lado da demanda. O juro bancário para pessoa física, em que pese o crédito consignado, que na faixa de 25 a 30% ainda é escorchante, mas utilizado em menos de um terço dos créditos, é da ordem de 103% segundo a ANEFAC. A população se endivida muito para comprar pouco no volume final. A prestação que cabe no bolso pesa no bolso durante muito tempo. O efeito demanda é travado.
Efeito semelhante é encontrado no lado do investimento, da expansão da máquina produtiva, pois se no ciclo de reprodução o grosso do lucro vai para intermediários financeiros, a capacidade do produtor expandir a produção é pequena, acumulando-se os travamentos da demanda fraca e do autofinanciamento limitado. Quanto ao financiamento bancário, os juros para pessoa jurídica são proibitivos, da ordem de 40 a 50%, e criar uma empresa nestas condições não é viável. Existem linhas de crédito oficiais, mas compensam em parte apenas a apropriação dos resultados pelos intermediários financeiros.
Terceiro item da engrenagem, a taxa Selic. Com um PIB de 4,8 trilhões, um por cento do PIB representa 48 bi. Se o superávit primário está fixado em 4% do PIB, por exemplo, são cerca 200 bi dos nossos impostos transferidos essencialmente para os grupos financeiros, a cada ano. Com isso se esteriliza parte muito significativa da capacidade do governo de financiar mais infraestruturas e políticas sociais. Além disso, a Selic elevada desestimula o investimento produtivo nas empresas pois é mais fácil – risco zero, liquidez total – ganhar com títulos da dívida pública. E para os bancos e outros intermediários, é mais simples ganhar com a dívida do que fomentar a economia buscando bons projetos produtivos. Os fortes lucros gerados na intermediação financeira terminam contaminando o conjunto dos agentes econômicos.
Assim entende-se que os lucros dos intermediários financeiros avancem de 10% quando o PIB permanece em torno de 1%, e o desemprego seja tão pequeno: o país trabalha, mas os resultados são drenados pelos crediários, pelos juros bancários para pessoa física, pelos juros para pessoa jurídica e pela alta taxa Selic. É a dimensão brasileira da financeirização mundial.
Fechando a ciranda, temos a evasão fiscal. Com a crise mundial surgem os dados dos paraísos fiscais, na faixa de 20 trilhões de dólares segundo o Economist, para um PIB mundial de 70 trilhões. O Brasil participa com um estoque da ordem de 520 bilhões de dólares, cerca de 25% do nosso PIB. Ou seja, estes recursos que deveriam ser reinvestidos no fomento da economia, não só são desviados para a especulação financeira, como sequer pagam os impostos no nível devido. Já saíram, por exemplo, os dados do Itaú e do Bradesco no Luxemburgo, e do mispricing que nos custa 80 bi/ano.
Junte-se a isto o fato dos nossos impostos serem centrados nos tributos indiretos, e temos o tamanho do desajuste. O documento que segue é uma sistematização do mecanismo. As contas batem. Os dados são conhecidos, aqui se mostra como se articulam.
Veja por favor, com cuidado, são dez paginas, não é um “artigo” de opinião, e sim um relatório sobre como a engrenagem foi montada. Uma ferramenta que espero seja útil para nos direcionarmos, pois precisamos de muito mais gente que se dê conta de como funciona o nosso principal entrave. Não há PIB que possa avançar com tantos recursos desviados. O problema não é só de um “ajuste fiscal”, e sim de um ajuste fiscal-financeiro mais amplo. Tanto o consumidor, como o empresário-produtor e o Estado na sua qualidade de provedor de infraestruturas e de políticas sociais têm tudo a ganhar com isto.
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