Extermínio de pacientes no Amazonas em estudo com remédio recomendado por Bolsonaro é denunciado por família

Portal Plantão Brasil
20/9/2021 10:13

Extermínio de pacientes no Amazonas em estudo com remédio recomendado por Bolsonaro é denunciado por família

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973 visitas - Fonte: O Globo

Fevereiro começou de forma terrível para os hospitais que tratavam doentes de Covid-19 no Amazonas. O estado mal havia acabado de superar a crise do oxigênio e já enfrentava um novo pico da pandemia. As mortes tinham aumentado sete vezes em janeiro e continuavam a crescer.



No Hospital Regional de Itacoatiara, terceira maior cidade do Estado, a 270 km de Manaus, os pacientes eram submetidos precocemente à ventilação mecânica, porque faltavam equipamentos de ventilação não invasiva. Até se anunciou a chegada de um remédio “revolucionário”, capaz de reduzir drasticamente as mortes no hospital em três ou quatro dias: a proxalutamida. Defendida por Jair Bolsonaro, a substância é usada de forma experimental contra o câncer de próstata.

Foi o que prometeu o presidente da rede particular de saúde Samel, Luís Alberto Nicolau, em uma entrevista transmitida pelo YouTube da porta do hospital regional de Itacoatiara. “Trouxemos a medicação para ser utilizada em todos os pacientes”, disse Nicolau, que é irmão de um deputado estadual do PSD e pré-candidato ao governo do estado chamado Ricardo Nicolau.



Ele disse ter sido chamado pelo prefeito da cidade, Mário Abrahim (PSC), para socorrer a população e que estava na cidade com médicos para treinar a equipe dos hospitais a aplicar o remédio. E explicou que os resultados dos estudos com a proxalutamida ainda não havia m sido publicados —o que, na prática, significava que não tinham sido validados por ninguém além deles próprios. “Nós não queremos esperar. Queremos colher os benefícios agora, porque estamos aqui com 106 pacientes internados e eles não vão esperar 30, 60, 90 dias.”

Veja o vídeo aqui:

Do lado de dentro, o médico Michael Correia Nascimento, do corpo clínico do hospital, oferecia a oportunidade de participar de um novo estudo com o tal medicamento milagroso, que logo ficou conhecido como “remédio da Samel”.

Uma das pacientes era a aposentada Zenite Gonzaga da Mota, que havia sido internada “andando e se sentindo bem, só para fazer exames”, de acordo com a sobrinha Alessandra Saar. Até aquele dia, ela estava sendo tratada normalmente com antibióticos, dipirona e oxigenação, e se sentia bem, mas como outro doente com sintomas leves foi liberado cinco dias após tomar o “remédio da Samel”, a filha, que pediu para não ter o nome mencionado, concordou em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para incluí-la no estudo. A promessa do “dr. Michael” era curar Zenite também em cinco dias. Não foi o que aconteceu.



Em princípio, os parentes não perceberam nada estranho. Não sabiam que o termo de consentimento não trazia informações obrigatórias pelo regulamento do Conselho Nacional de Saúde. O documento não dizia que parte dos voluntários receberia placebo, nem descrevia os riscos e benefícios de participar do trabalho.


"Eles falaram que era uma medicação que tinha salvado vidas na Samel Manaus", diz Alessandra, que relembra: "Mas nem deixaram a gente ficar com a nossa via".

A reportagem do GLOBO só conseguiu acesso a uma cópia do documento porque ele consta de um inquérito civil aberto pelo Ministério Público Federal do Amazonas. Há ainda um inquérito criminal em andamento.

Os parentes de Zenite começaram a estranhar quando viram que quem tinha que administrar a medicação não eram os pesquisadores, mas eles mesmos.


Outra coisa que ninguém em Itacoatiara sabia era que o estudo também não tinha autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, a Conep. O endocrinologista Flavio Cadegiani, que liderou os estudos, havia protocolado um pedido de autorização para o ensaio, mas para ser feito em Brasília.



Só no final de abril os pesquisadores fizeram novo pedido para estender a pesquisa a cidades no Amazonas onde ela já havia até acontecido: Manaus, Itacoatiara, Parintins, Maués, Manicoré, Coari e Manacaparu.

Veja o vídeo aqui:

Num grupo de WhatsApp chamado Entre Médicos, Michael Nascimento relatou que “Itacoatiara foi o palco da proxa (a proxalutamida)”. Nas mensagens do grupo a que tivemos acesso, ele diz que “recrutou 80 dos 120 para o estudo PROXA que pude oferecer um tratamento”.

A Conep negou autorização para estender o ensaio clínico ao Amazonas, pois a emenda não poderia ter sido realizada após o início do estudo. Àquela altura, ele já estava sob suspeita. Os pesquisadores haviam anunciado em uma live resultados supostamente fantásticos, com eficácia de 92% em pacientes graves. Segundo eles, 141 haviam morrido no grupo placebo, enquanto só 12 no grupo que havia tomado o remédio. Posteriormente, informaram à Conep 178 mortes no total e, por fim, 200 óbitos.



À Procuradoria-Geral da República, a comissão afirmou que os quadros clínicos dos voluntários que morreram não foram relatados nem suficientemente detalhados. Por isso, não seria possível “descartar a possibilidade de morte provocada por toxicidade medicamentosa ou por procedimentos da pesquisa”.


Dona Zenite e seus parentes também não sabiam de nada disso. Mas perceberam que o novo tratamento não estava adiantando. A aposentada começou a ter falta de ar, e, de acordo com a sobrinha, ficou com braço roxo, bolhas subcutâneas e arritmias.

"Mesmo assim eles não pararam com as medicações. Aquilo foi um extermínio. Eu presenciei. Todos os dias via as pessoas morrendo ao lado (da minha tia). As pessoas estavam bem, conversando, e de repente pioravam. Os médicos não aceitavam questionamentos simples nossos", lembra Alessandra.

Naqueles dias, Zenite teve duas paradas cardíacas. Os acompanhantes insistiram para transferi-la para Manaus, mas o médico Michael Nascimento não permitiu.

"A gente percebia que eles estavam segurando os pacientes em Itacoatiara por causa do estudo".



Só depois de 34 dias de internação, o médico autorizou a remoção. Era tarde demais: Zenite morreu em 13 de março, três dias depois de dar entrada no Hospital Delphina Aziz, na capital amazonense. Foi enterrada em um velório rápido, típico dos tempos pandêmicos.

A família só descobriu que o remédio que Zenite aspirava em Itacoatiara era cloroquina depois de requisitar o prontuário dela. Foi aí que a filha denunciou o caso à Polícia Civil. Mas o inquérito — que apura só a nebulização de cloroquina e não o uso de proxalutamida — até hoje não foi concluído.

A reportagem também procurou o médico Michael Correia Nascimento, mas ele não atendeu às ligações e ignorou as mensagens enviadas. A rede Samel não respondeu aos questionamentos do GLOBO. O prefeito de Itacoatiara, Mário Abrahim, não retornou as ligações, e.a Secretaria de Saúde da cidade não quis atender.

Hoje, a sobrinha de Zenite diz que a família se arrepende de ter aceitado submetê-la ao que hoje chamam de “experimento”.

"A gente confiou na equipe do hospital, mas foi um erro".



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