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O publicitário Fabio Wajngarten conheceu Jair Bolsonaro em 2016, num jantar na casa de Meyer Nigri, dono da construtora Tecnisa, em São Paulo. Na época, o então deputado já estava em plena campanha presidencial, embora quase ninguém levasse isso muito a sério. Empresário da área de comunicação, Wajngarten foi imediatamente fisgado pelas propostas do ex-capitão, que prometia operar grandes transformações no Brasil, principalmente na área de costumes. Desde então, os dois não se afastaram mais.
Em 2018, o publicitário ciceroneou o candidato em seus primeiros encontros com proprietários de órgãos de imprensa. Logo depois, quando Bolsonaro sofreu o atentado à faca, foi ele quem cuidou de boa parte da logística do atendimento médico. Em 2019, assumiu o comando da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom). O cargo estratégico, combinado com a sólida relação de confiança construída com o presidente, franqueou a Wajngarten trânsito livre em alguns dos gabinetes mais inacessíveis do Palácio do Planalto — aqueles onde se desenrolam histórias que raramente chegam ao conhecimento do grande público.
Depois de quase dois anos, Wajngarten deixou a Secom, no mês passado, no ápice da crise sanitária que já matou mais de 380?000 brasileiros. Oficialmente, sua demissão foi atribuída à necessidade de reconstruir a relação desgastada do presidente com a imprensa. Mas esse não foi o motivo principal. Durante meses, o ex-secretário travou um intenso duelo com o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Wajngarten apontava o general e a equipe dele como responsáveis diretos pelo atraso da vacinação contra a Covid-19. No auge do conflito, circularam notícias de que o chefe da Secom estaria se envolvendo em assuntos do ministério movido por interesses pessoais inconfessos. “Foi a gota d’água para eu sair”, diz Wajngarten. Na semana passada, o Congresso criou a CPI que vai investigar se o governo Bolsonaro se omitiu no enfrentamento da pandemia ou se praticou alguma ação que possa ter agravado o problema — e o ex-secretário deve ser um dos primeiros convocados a depor sobre isso. Parlamentares acreditam que ele tem informações valiosas que podem comprometer gente graúda do governo federal. E ele tem.
Em setembro do ano passado, quando a Covid-19 já tirava a vida de 750 brasileiros por dia, o publicitário soube que a farmacêutica Pfizer havia encaminhado uma carta ao governo oferecendo 70 milhões de doses de sua vacina, que se encontrava em fase adiantada de testes nos Estados Unidos. O Ministério da Saúde, porém, não se interessou pela proposta nem sequer respondeu a carta. Wajngarten levou o caso ao conhecimento do presidente Bolsonaro, que o autorizou a negociar pessoalmente as bases de um contrato com a empresa. O secretário se reuniu com diretores da Pfizer, discutiu cláusulas, conseguiu reduzir preços, obteve compromissos de antecipação da entrega de volumosos lotes do imunizante, mas o acordo não prosperou.
“É verdade que a vacina ainda não estava aprovada pela Anvisa. Mas o Ministério da Saúde poderia ter deixado as vacinas encomendadas, armazenadas, com um pipeline de entregas”
Estima-se que, se a compra tivesse sido efetivada, a vacinação no Brasil poderia ter começado em dezembro, ou seja, estaria hoje numa etapa muito mais adiantada. “Milhares de mortes poderiam ter sido evitadas”, atesta o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz. Para a oposição, essa conexão dos fatos é uma prova concreta de que o governo Bolsonaro foi absolutamente negligente no combate à pandemia e responsável direto pela imensa tragédia sanitária em que o país se encontra.
Em entrevista exclusiva a VEJA, o ex-secretário confirmou que, em meados do segundo semestre do ano passado, participou ativamente de esforços para viabilizar a compra da vacina da Pfizer. Wajngarten guarda e-mails, registros telefônicos, cópias de minutas do contrato e ainda afirma ter um rol de testemunhas do gabinete presidencial que podem comprovar tudo que está dizendo. O acordo não teria avançado por “incompetência” e “ineficiência” dos gestores do Ministério da Saúde comandados pelo general Eduardo Pazuello, também demitido do cargo no mês passado, depois de circularem rumores no Planalto sobre um suposto mandado de prisão que seria expedido contra ele.
Na mesma medida em que critica o Ministério da Saúde, porém, Wajngarten poupa o presidente da República. Afirma que Bolsonaro sempre se preocupou com todos os lados da crise, especialmente na parte que se refere aos mais pobres, e sempre disse que compraria as vacinas quando elas fossem aprovadas pelos órgãos sanitários. O problema do presidente, segundo ele, são assessores que lhe repassariam informações erradas e distorcidas. Para o ex-secretário de Comunicação do Planalto, a pandemia pode ter impactos nas eleições de 2022.
A seguir os principais trechos da entrevista.
-O que o secretário de Comunicação tinha a ver com compra de vacinas?
Fui procurado por um dono de veículo de comunicação que me disse que a Pfizer havia enviado uma carta ao governo oferecendo as vacinas contra a Covid. Na carta, a empresa falava do avanço de suas pesquisas, dos contratos que já havia assinado com o governo americano e com a Europa para a venda de vacinas e oferecia ao Brasil prioridade no fornecimento, a partir do instante em que o imunizante fosse aprovado pelos órgãos sanitários. Liguei para a sede e me apresentei. No mesmo dia, o CEO da empresa me retornou. Foi uma conversa surpreendente. Ele relatou o que havia acontecido — ou melhor, o que não havia acontecido. O Ministério da Saúde nem sequer havia respondido à carta. Sou filho de médico e sei o que representa a tradição da Pfizer, sei quanto a vacinação é importante e também como isso poderia implodir ou incensar a imagem do presidente da República.
-E o que o senhor fez?
Me coloquei à disposição para negociar com a empresa, antevendo o que estava para acontecer: o presidente seria atacado e responsabilizado pelas mortes. A vacina da Pfizer era a mais promissora, com altos índices de eficácia, segundo os estudos. Precisávamos da maior quantidade de vacinas no menor tempo possível. E dinheiro nunca faltou. Então, eu abri as portas do Palácio do Planalto. Convidei os diretores da empresa a vir a Brasília. Fizemos várias reuniões. Fui o primeiro a ver a caixa que armazenava as vacinas a menos 70 graus. Eu também levei a caixa para o presidente Bolsonaro ver. Expliquei que aquilo não era um bicho de sete cabeças, como alguns técnicos pintavam.
-E por que as negociações não avançaram?
As negociações avançaram muito. Os diretores da Pfizer foram impecáveis. Se comprometeram a antecipar entregas, aumentar os volumes e toparam até mesmo reduzir o preço da unidade, que ficaria abaixo dos 10 dólares. Só para se ter uma ideia, Israel pagou 30 dólares para receber as vacinas primeiro. Nada é mais caro do que uma vida. Infelizmente, as coisas travavam no Ministério da Saúde.
-Travavam por quê?
Existiam as três famosas cláusulas leoninas do contrato. A primeira delas, o foro para a solução de conflitos. A Pfizer queria uma câmara arbitral de Nova York. A segunda era a isenção de responsabilização e indenização. E a terceira era a edição de uma medida provisória em que o Brasil garantisse com ativos potenciais danos financeiros. Essas foram as cláusulas que dificultaram a negociação no ano passado. Houve várias reuniões para discutir e tentar superar esses obstáculos. Cheguei a convidar o Filipe Martins, assessor internacional do Planalto, para participar de algumas dessas reuniões com os diretores da empresa, ouvir as coisas que eram ditas, as dificuldades que eles relatavam e apresentar possíveis soluções para elas. Minha preocupação era contornar o excesso de burocracia e de pessoas despreparadas que estavam cuidando dessa questão.
-O senhor está se referindo ao ministro Eduardo Pazuello?
Nunca troquei mais do que um boa-tarde com o ministro. Seria leviano da minha parte falar dele.
-E o que o presidente dizia sobre essas negociações?
O presidente sempre disse que compraria todas as vacinas, desde que aprovadas pela Anvisa. Aliás, quando liguei para o CEO da Pfizer, eu estava no gabinete do presidente. Estávamos nós dois e o ministro Paulo Guedes, que conversou com o dirigente. Foi o primeiro contato entre a Pfizer e o alto escalão do governo. Guedes ouviu os argumentos da empresa e, depois, disse que “esse era o caminho”. Se o contrato com a Pfizer tivesse sido assinado em setembro, outubro, as primeiras doses da vacina teriam chegado no fim do ano passado.
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