Nassif e o estranho silêncio do ministro

Portal Plantão Brasil
26/4/2014 10:15

Nassif e o estranho silêncio do ministro

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1084 visitas - Fonte: Tijolaço

Vivemos tempos perigosos, em que é mais prudente explicar a piada. Por isso, reproduzo abaixo a crônica de Nassif, mas antes explico-a. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, vem perdendo excelentes oportunidades para não ficar calado. Ou seja, o silêncio de Cardozo sobre questões centrais, ligadas à área de justiça, tem sido constrangedor. E quando fala, como exemplifica Nassif, são platitudes tão tristemente óbvias, que não surtem nenhum efeito político.



Declarou Cardozo, sobre o voto de Rosa Weber acerca da CPI Exclusiva: “Decisão do Supremo é para ser cumprida!” Além de uma platitude, isso não é necessariamente verdade, porque o governo sempre pode, democraticamente, entrar com um recurso para que uma decisão monocrática de um ministro possa ser reavaliada pelo plenário do STF.



Entretanto, o tom crítico de Nassif me parece se voltar, sobretudo, para o silêncio quase cúmplice do ministro em relação às arbitrariedades que temos visto por parte de Ministério Público e Judiciário. O caso da procuradora que vem tentando, na maior cara de pau, quebrar o sigilo do Planalto e ministérios, com base numa denúncia “anônima e informal”, por exemplo, é o mais gritante. Não basta uma resposta burocrática da Advocacia Geral da União. Era necessário uma resposta dura do governo, uma resposta política vindo da cúpula.



Este silêncio gera a impressão de vazio, de falta de liderança, dentro das próprias instituições que ele comanda, como a Polícia Federal, abrindo espaço para correntes voluntaristas nestas corporações. A violência da invasão da presidência da Petrobrás por membros da PF refletiu essa desenvoltura de oposição. Cria-se um elo entre mídia e setores de oposição situados dentro do Estado, transmitindo a impressão de falta de controle.



A PF, por exemplo, invadiu há pouco a sede da Petrobrás para recolher documentos. Dias depois, há um vazamento, para o Globo, de um documento confidencial da estatal sobre uma auditoria feita em Pasadena.



Enfim, o ministro da Justiça não pode ser apenas um observador atento da vida política nacional. Assim como a presidenta, ele tem de participar do debate público, posicionando-se duramente contra as arbitrariedades, até mesmo para fazer uma marcação política junto às próprias corporações que dirige. O poder abomina o vazio, como dizia um filósofo muito antigo, e o silêncio acaba sendo preenchido pela mídia de oposição e por aqueles que concordam com ela.



*



O dia em que o Ministro Cardozo, o Richelieu do Planalto, falou

qui, 24/04/2014 – 21:22 – Atualizado em 25/04/2014 – 16:18

Por Luis Nassif, em seu blog.



Quando teve início a grande crise, com os bárbaros se aproximando das muralhas palacianas, o comando da resistência procurou o Ministro Cardozo, ansioso por suas palavras sábias. Ele coçou o queixo e balançou a cabeça com aquele movimento lento e profundo do vero Richelieu do Planalto. Mas nada disse. E todos se acalmaram com seu estilo, próprio dos que não necessitam da palavras para transmitir segurança.



Mas os bárbaros não se acalmavam, querendo derrubar as muralhas do Palácio. E tornavam-se cada vez mais ousados, não entendendo que a falta de ação do Ministro não era inação, mas fruto de um intenso processo mental de análise da situação. Com o conhecimento jurídico, a sabedoria política, a voz poderosa, ele certamente estava esperando que todas as peças do jogo se encaixassem no seu cérebro privilegiado para montar o quebra-cabeça, a estratégia definitiva.



Seus companheiros entenderam e respeitaram seu silêncio.

Enquanto pensava, uma promotora atrevida avançou além das barreiras e pediu a quebra de sigilo do Palácio. Todos correram de volta à sala do mestre.



- Mestre Cardozo, e agora o que faremos? indagavam auxiliares aflitos.



E ele continuava no mutismo dos grandes estrategistas, balançando solenemente a cabeça, mas com tanta physique du rôle que alguns dos presentes juravam que dos cabelos revoltos saíam chamas de erudição, fagulhas de esperteza, lampejos de tirocínio. Seus discípulos se acalmaram, certos de que ele não iria gastar seu brilho em episódios menores. E mais uma vez respeitaram seu silêncio:



- Quando ele falar, será para apresentar a estratégia definitiva.

No quartel aliado, a Polícia Federal – subordinada ao Ministro – disparava tiros para todo lado, sempre contra o governo. O Senado se agitava, a Câmara regurgitava rebeliões encruadas, os inimigos lançavam setas flamejantes, até que finalmente conseguiram invadir a cidadela emplacando a CPI da Petrobras.



Naquela noite, trancados em uma sala, os estrategistas do Palácio indagavam-se sobre o que fazer.



Um estrategista político mais afoito imaginou a saída:

- Vamos encher essa CPI com temas que atinjam nossos inimigos. Nossas denúncias abafarão as deles.



Alguém ponderou:



- Isso é um tema jurídico: a CPI não precisa ter foco? E se eles derrubarem no Supremo alegando que precisa ter um objeto definido?



Todos os olhares se voltaram para a referência jurídica, o Ministro Cardozo, que levantou-se de sua poltrona, caminhou em direção ao corredor, sem nada dizer, apenas pensando profundamente, mas tão profundamente que parecia que o pensamento ganhava forma física e descia do espaço como fiapos de ectoplasma diretamente para seu cérebro privilegiado

- Mestre, o que nos recomenda?



O Ministro nem consultou seus alfarrábios. Interrompeu a caminhada, e, com o dom dos que têm a jurisprudência inteira armazenada no cérebro, voltou-se lentamente para o grupo e levantou a mão com o indicador como se apontasse alguma coisa na abóbada da sala. Os olhares se voltaram para a direção apontada, até se darem conta de que era um indicação mental, um sinal apaziguador, tipo “orai e vigiai”. E todos interpretaram como de apoio à tática.



À noite, a Ministra Rosa Weber, do STF, vetou a multi-CPI.

Voltaram todos para o Palácio. E aí finalmente o Ministro Cardozo pediu a palavra.



Houve um murmúrio de emoção. Finalmente, ele exporia a estratégia final, o golpe fatal que derrotaria de vez a oposição, expulsaria os inimigos para longe das muralhas, trazendo a paz de volta ao reino.



Fez-se um silêncio absoluto, tão grande que era possível ouvir o radinho do caseiro do Palácio sintonizado na cobertura da última greve da polícia. Um psiu coletivo calou o rádio, impedindo a conspurcação daquele momento único, em que, pela primeira vez, o Ministro Cardozo iria se pronunciar.



Ele levantou-se lenta e solenemente, jogou para trás os cabelos, como um autêntico Brossard remoçado, pigarreou levemente, no estilo histórico de Evandro, aguçou o olhar penetrante, como um Mangabeira saindo das brumas do tempo, vestiu-se com a autoridade moral de um Aleixo, a coragem cívica de um Almino, voltou-se para as janelas do Palácio e contemplou o mundo, como fizeram gerações e gerações de juristas que, das Arcadas, ajudaram a construir a República.



Fez-se o silêncio sagrado e o Ministro Cardozo finalmente falou:

- Decisão do Supremo é para ser cumprida!

E nada mais disse, nem lhe foi perguntado, dado o fato de que todos os presentes perderam, eles também, a voz.

Na saída, um amigo intrigado lhe perguntou:

- Mas porque você nunca falava nada antes?

E ele, em tom de confidência:

- É porque não tinha o que dizer. E quando não tenho o que dizer fico nervoso e perco a fala.



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