BELO MONTE E AS NOVAS BATALHAS PELA FRENTE

Portal Plantão Brasil
27/5/2015 14:22

BELO MONTE E AS NOVAS BATALHAS PELA FRENTE

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Na terceira e última reportagem da série sobre Belo Monte, o jornalista Paulo Moreira Leite, que esteve no canteiro de obras, destaca que, em Altamira, no Pará, "não foi só um modo de vida que se modificou, criando novas oportunidades de emprego, trazendo novos moradores e gerando novas exigências da vida urbana"; investimentos levaram hospitais à região, a construção e reformas de centenas de salas de aulas e uma injeção de R$ 105 milhões em segurança pública; "Iniciativas que pareciam condenáveis, há 40 anos, hoje estão integradas à vida cotidiana" dos 100 mil habitantes, cujas reclamações "envolvem questões práticas e não dizem respeito ao meio ambiente", diz PML; ele detalha ainda a criação da Norte Energia, "um lance de astúcia justificada pelas circunstâncias", e a obrigação do País, em relação aos índios, de "dar maior atenção aos direitos dos primeiros brasileiros, o que era justíssimo"



Por Paulo Moreira Leite, enviado especial às obras de Belo Monte, em Altamira, no Pará



A reverência ecológica que costuma ser evocada pela simples menção das palavras "Belo Monte" é um anacronismo. Em 1972, com a chegada de escavadeiras, tratores, caminhões e tropas do Exército que construíram a Transamazônica como parte de uma política definida pelo lema "Integrar para não entregar", teve início um conjunto de mudanças sem retorno. As marcas deixadas pela ditadura estão em vários lugares. Em Altamira, há a rua Ernesto Geisel. Um dos municípios da região chama-se Medicilândia, em homenagem a Emílio Garrastazu Médici.



Não foi só um modo de vida que se modificou, criando novas oportunidades de emprego, trazendo novos moradores e gerando novas exigências da vida urbana. Em luta contra a própria pobreza, milhares de famílias de agricultores do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná abriram uma nova corrente migratória e mudaram-se para o lugar. Em vários restaurantes de Altamira, o churrasco, trazido pelos imigrantes do Sul, tornou-se a principal atração do cardápio, rivalizando com o peixe e o camarão da tradicional dieta local. A própria vegetação foi transformada.

A floresta em torno da hidrelétrica nada exibe de selvagem. As árvores são baixas e não lembram a vegetação original da Amazônia, formada por gigantes com copas a vários metros do chão. Com o tempo, a área ganhou feições típicas do agronegócio: é formada por fazendas de gado, que costuma ser enviado, em pé, em carrocerias de caminhão, para outros pontos do país. Reflexo de uma etapa acanhada em seu desenvolvimento, os fazendeiros da região ainda não acumularam recursos para construir frigoríficos para que o gado de seus imensos rebanhos, entre os maiores do país, seja abatido, cortado, embalado e vendido. Por essa razão, bois e vacas viajam em pé, examinando a paisagem com olhos imensos.



Os investimentos da usina criaram um ambiente de pleno emprego em Altamira e arredores. O valor médio da hora de trabalho sofreu uma elevação de 50% ao longo dos anos e o aumento do consumo chegou a 25%, conforme a Associação Comercial. Cidade de edifícios de três andares e muitas ruas de terra vermelha, Altamira assiste à chegada das primeiras grifes de prestígio.



Os programas sócio-ambientais da Norte Energia foram criados para atender a uma necessidade política óbvia, que era responder às críticas dos adversários da hidrelétrica. Em grande parte elas eram alimentadas pela área ambiental do próprio governo Luiz Inácio Lula da Silva, onde Marina Silva, ministra até 2008, era uma adversária de primeira hora. As críticas prosseguem até hoje, até porque estamos no interior de um dos mais pobres estados brasileiros, mas é difícil negar que determinados investimentos atendam a necessidades reais. Foram erguidos quatro hospitais novos na região, inclusive o Hospital Geral de Altamira, o maior da cidade, com 100 leitos. As redes de esgoto da cidade — 220 quilômetros — e de água potável, de 170, envolveram investimentos da ordem de R$ 485 milhões. As obras em educação envolveram a construção de 270 novas salas de aula e reforma de outras 378. Na área de segurança pública, os investimentos chegam a R$ 105 milhões.



As queixas do cidadão comum — são 100 000 habitantes apenas em Altamira — envolvem questões práticas e não dizem respeito ao meio ambiente. Iniciativas que pareciam condenáveis, há 40 anos, hoje estão integradas à vida cotidiana. "Diante de Belo Monte, o povo se pergunta por que foi possível construir uma usina desse tamanho, uma obra importante, cara, difícil, mas não deu para terminar 1000 quilômetros de asfalto na Transamazônica, que seria muito útil para tanta gente que ganha a vida por aqui," observa o senador Paulo Rocha (PT-PA).

Uma crítica antiga dos adversários de Belo Monte envolve a partilha da energia que será gerada: 10% de seus MWs estão reservados para os estados da região amazônica. O próprio Pará ficará com 3,2%. É uma visão que impressiona, mas deve ser ponderada. Esta diferença reflete, essencialmente, a imensa desigualdade no desenvolvimento dos estados brasileiros. Vive-se num mundo que — mais uma vez — não admite exceção à regra segundo a qual quanto mais desenvolvida é uma região, maior é sua necessidade de energia — venha de onde vier. A pergunta consiste em saber como estados produtores de energia podem usar este recurso para financiar o próprio progresso. A receita obtida pelos royalties é considerada irrisória pelos economistas, empresários e políticos locais. "A grande questão é modificar a estrutura do ICMS, para que um estado produtor de energia também possa ficar com sua parte nesse imposto," afirma Paulo Rocha. O debate sobre ICMS costuma provocar bocejos em Brasília, tão antigo que é, mas o Pará ingressa num clube que tem um sócio poderoso, o Paraná, abrigo de Itaipu, a maior usina hidrelétrica brasileira, que se encontra na mesma situação.



Em fevereiro de 2010, último ano do governo Lula, a licença de Belo Monte foi aprovada pelo Ibama. O leilão ocorreu em abril, com uma surpresa que o Planalto deixou para última hora — a criação da Norte Energia, empresa que tem a estatal Eletrobrás como maior acionista, com 49,98% de participação. Dois fundos de pensão de funcionários de empresas estatais, onde o governo federal exerce uma influência reconhecida, somam 20%. Dos quase R$ 29 bilhões já investidos em Belo Monte, o BNDES entrou com R$ 22,5 bilhões, sendo que os acionistas já integralizaram R$ 6 bilhões. Através da Norte Energia, o governo federal assumiu, na prática, o controle direto sobre os trabalhos. Define ritmos, prazos e metas. As grandes empreiteiras do país, como Odebrecht, Camargo Correa e Andrade Gutierrez, participam de Belo Monte através do consórcio que toca a obra, mas não dirigem os trabalhos.



Em função das condições difíceis, a criação da Norte Energia é vista com um lance de astúcia justificada pelas circunstâncias. Imagine o leitor desta reportagem o que teria acontecido com Belo Monte caso tivesse de ser defendida exclusivamente por mãos privadas, obrigadas a enfrentar um furacão político interno e externo, que vinha de muito longe e chegaria mais longe ainda. Ainda em 1989, meses depois da caiapó Tuíra exibir-se com seu fação perante câmaras e máquinas fotográficas de todo o mundo, ocorreu um fato significativo para valer: o Banco Mundial anunciou o cancelamento de um empréstimo de US$ 500 milhões à Eletrobrás, do presidente Antônio Muniz Lopes, que teve o rosto exposto à lâmina naquela dança.



A cena não apenas lembrou que o país seria obrigado, dali por diante, a dar maior atenção aos direitos dos primeiros brasileiros, o que era justíssimo. Também deixou claro que havia uma novidade a ser levada a sério. A partir de então, seria possível mobilizar os direitos legítimos da população indígena para exacerbar reivindicações ambientais e travar o desenvolvimento. Assim, governos e entidades de países que não tem o menor preconceito contra outras formas de energia dentro de casa — inclusive nuclear — passaram a monitorar as opções do governo brasileiro, interferir no debate interno e apoiar atos de oposição à produção de preciosos MWs. Sem muito pudor, criou-se ainda uma cultura que tenta questionar os direitos dos brasileiros sobre a Amazônia.



Em 2011, uma mobilização de ONGs reunidas em Altamira para participar de um evento com um título inacreditável ("Seminário Mundial contra Belo Monte") conseguiu bloquear o acesso aos canteiros da usina. Pouco depois, ocorreu uma greve de trabalhadores, tratada com simpatia raramente vista em lutas sindicais. Foi seguida de outra, em março de 2012. Três meses depois, os escritórios da usina foram invadidos e depredados. Ocorreram a seguir três paralisações e bloqueios importantes nos meses seguintes. No fim do ano, um ataque terminou com a destruição de equipamentos e veículos estacionados nas redondezas.



O calendário da obra, que prevê o ligamento da 24ª e última turbina em janeiro de 2019, irá colocar uma lição e um desafio. A lição é que Belo Monte é produto de uma combinação específica de fatores favoráveis, que permitiu vencer uma visão paralisante das questões ambientais e abertamente retrógrada do ponto de vista do desenvolvimento. Num país que trava uma luta árdua para construir sua soberania, a oferta cada vez mais abundante de energia não só é condição de acesso à civilização do século XXI — mas é a única forma de a eletricidade caber no orçamento dos brasileiros mais pobres. É por isso que a luta pelo desenvolvimento econômico se combina com a visão de uma sociedade mais justa.



Por muitos anos ainda o país terá necessidade de ampliar a produção de energia — e a versão hidrelétrica não só é uma das mais limpas que se conhece, do ponto de vista ambiental, mas também uma das mais eficientes, nas condições brasileiras. (Vários estudos dizem que seus reservatórios são úteis até para minimizar o efeito estufa.) A demanda dos brasileiros por energia tem crescido em ritmo acelerado, numa base de 4,3% ao ano, sendo 4,4% nas residências, 3% na indústria e 6,4% em outros setores. Numa atividade que não pode ser improvisada nem admite cálculos de véspera, o Plano Decenal de energia prevê a entrada em funcionamento de quatorze novas hidrelétricas de potencial variado, capazes em ampliar em 40% a oferta de energia a partir de 2018. Não vamos nos iludir, portanto. Há mais demanda e novas usinas no caminho — e novas guerras pela frente. Teremos uma eleição presidencial no meio do caminho e ninguém sabe como a economia irá se portar até lá.



Na verdade, os conflitos já começaram e envolvem a construção de uma nova hidrelétrica, São Luiz de Tapajós, também no Pará. O estudo técnico desta usina já está terminado e prevê uma obra com 60% do potencial de Belo Monte. Em 2012, a Câmara de Deputados aprovou uma Medida Provisória com definições favoráveis à usina, que foi planejada com cuidados equivalentes a proteção ambiental, inovações técnicas e medidas de contrapartida à população local. Mas o leilão para dar início aos trabalhos, previsto para o final de 2014, foi cancelado um dia depois de ter sido anunciado e não se sabe quando irá acontecer. O argumento para o cancelamento envolve a disputa em torno de área onde reside uma população de cinco centenas de indígenas. Sempre levando em consideração os direitos dos primeiros brasileiros, essa situação define um impasse já conhecido. Luisa Braga Ferreira, coordenadora sócio-ambiental da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia, ABIAPE, adverte num artigo sobre São Luiz de Tapajós que "estamos diante um projeto que poderá atender 20 milhões de residências, contribuir para o desenvolvimento econômico do país e assegurar vida digna a milhões de brasileiros, que também são valores de ordem constitucional e inequívoco interesse público. Casos como este estão ocorrendo com frequência cada vez maior e o que se discute, em último grau, é a prevalência dos direitos das minorias vis a vis o interesse público de atendimento à demanda crescente de energia no país."



(Terceira e última parte de uma reportagem especial sobre Belo Monte).



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