'Vamos passar tudo a limpo', diz presidente da Siemens

Portal Plantão Brasil
21/4/2014 08:29

'Vamos passar tudo a limpo', diz presidente da Siemens

Em sua primeira entrevista desde o estouro do escândalo dos cartéis, Paulo Stark, presidente da multinacional Siemens, conta como tem gerenciado a crise e faz um pedido: que a investigação vá até o fim

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1949 visitas - Fonte: Exame.com

Em 2011, quando foi convidado para assumir a operação brasileira da multinacional Siemens, que fabrica de equipamentos mé­­dicos a transformadores elétricos, o curitibano Paulo Stark estava numa reunião na sede da empresa, na Alemanha.



Aceitou o convite, ouviu que o processo interno de investigação de irregularidades iniciado mundialmente em 2007 estava intenso no Brasil e foi avisado que teria grandes desafios pela frente.



“Só não fazia ideia de que seriam tão complexos”, diz Stark. Na sua volta, Adilson Primo, seu antecessor, foi demitido por justa causa por não ter revelado à empresa a existência de uma conta em Luxemburgo.



Um ano e meio depois, em maio de 2013, a Siemens revelou sob sigilo ao Cade, órgão de defesa de concorrência, suspeitas de formação de cartel na venda de trens nos governos do PSDB em São Paulo e do ex-governador José Roberto Arruda, do DEM, em Brasília.



Dois meses após a denúncia, a informação vazou para a imprensa e a Siemens não saiu mais dos holofotes. Leia a seguir a primeira entrevista de Stark desde o estouro do escândalo.



EXAME - A Siemens denunciou um cartel para a venda de trens, do qual a própria empresa fazia parte. O senhor já fez um pedido de desculpas formal ao povo brasileiro?



Paulo Stark - Temos de aguardar o momento certo para fazer isso. Quando tudo for apurado, saberemos se houve danos causados pela empresa. Caso fique provado que cometemos erros, vamos declarar nosso arrependimento, pedir desculpas e ressarcir o povo brasileiro.



EXAME - Com os indícios que o senhor tem hoje já não dá para concluir que houve atos ilegais?



Paulo Stark - Temos boas indicações de que houve algo errado, mas precisamos que o Ministério Público e o Cade investiguem para que fique claro. A empresa não consegue fazer isso. Não podemos pedir quebra de sigilo bancário e telefônico.



Temos de aguardar que as autoridades agora façam seu papel. Queremos que tudo fique limpo. No fim, o papel da Siemens, com certeza, será relativizado.



EXAME - O que o faz pensar assim?



Paulo Stark - As investigações estão no começo. Como estamos cooperando, estão aparecendo mais nomes da Siemens nos pedidos de prisão. Mas isso deve mudar. De acordo com a imprensa, os documentos do Cade falam em 109 pessoas citadas nas investigações.



Dessas, menos de 20 são da Siemens. Cerca de 30 são da multinacional francesa Alstom. Dos 9,4 bilhões de reais que estão sendo analisados, o escopo da participação da Siemens é de 6%. Espero que os outros 94% sejam bem investigados.



EXAME - O senhor continua tendo orgulho de trabalhar na Siemens?

Paulo Stark - Mais do que nunca. O fato de termos denunciado deveria ter uma conotação positiva. No Brasil, empresas envolvidas em casos semelhantes sempre adotaram uma estratégia de ficar quietas e deixar a poeira baixar. Não concordamos com isso.



Perdemos o medo de enfrentar essas questões. Trabalho na Siemens há 25 anos e nunca ouvi nenhuma proposta para que fizéssemos algo ilegal. Isso nunca fez parte de nossa cultura. Talvez fosse a cultura de algumas áreas e de algumas pessoas.



EXAME - Dá para dizer que práticas ilegais não fazem parte da cultura da empresa mesmo sabendo que Adilson Primo, ex-presidente da Siemens no Brasil, está envolvido em investigações sobre “graves irregularidades”?



Paulo Stark - Até hoje não existe evidência nenhuma da participação do ex-presidente no negócio dos cartéis.



EXAME - Mas Primo não foi demitido por justa causa após investigações internas da própria Siemens?



Paulo Stark - Temos um processo trabalhista em andamento e, por isso, não posso falar sobre esse assunto.



EXAME - Qual é seu maior temor no caso dos cartéis?



Paulo Stark - Nossa maior preocupação é que nosso exemplo não seja seguido. Em qualquer sociedade, a maioria das pessoas é bem intencionada, mas sempre tem um grupo mal-intencionado. As grandes empresas atraem milhares de pessoas e acabam espelhando isso.



Um bom sistema de normas (que recebe o nome de compliance) consegue perceber rapidamente quem são os sem escrúpulos e os manda embora. A partir de 2007, isso se transformou numa sistemática dentro da Siemens em todo o mundo. Criamos mecanismos de prevenção e de detecção de coisas erradas.



Para nós, reparar também significa ir para fora da empresa e procurar as autoridades. Espero que outras companhias também decidam ser transparentes. Com a nova legislação anticorrupção brasileira, que entrou em vigor em janeiro e endureceu as regras, empresas sem ética não terão futuro.



EXAME - O senhor sofreu constrangimento ou pressão das outras empresas investigadas por suspeita de cartel?



Paulo Stark - Não tive nenhuma experiência desagradável com representantes das empresas investigadas. Um executivo da Siemens me relatou certo constrangimento num encontro de associação de classe em que ouviu alguma tirada irônica. Mas estamos preparados para enfrentar essas situações.



EXAME - A Siemens não corre o perigo de ficar marcada por ter feito a denúncia?

Paulo Stark - Antes nossos funcionários tinham uma meta para bater. Agora, se alguém volta para o escritório dizendo que não fechou um negócio porque ouviu uma proposta fora de nossas regras, não há problema nenhum.



É certo que depois do que aconteceu algumas empresas vão pensar duas vezes antes de se aproximar de nós para fazer alguma proposta ilegal. Nesse sentido, nos tornamos uma apólice de seguro contra cartéis para funcionários públicos.



EXAME - De que forma o vazamento das investigações afetou os negócios da empresa?



Paulo Stark - Em 2013, o número de pedidos cresceu 21% e a receita 13,5% em relação ao ano anterior. Foi o maior volume de negócios dos últimos sete anos.



EXAME - Até março, a Siemens estava impedida de participar de licitações do governo por supostas irregularidades em negócios com os Correios — hoje, uma liminar garante a participação. Se ela for suspensa, o crescimento da empresa não será comprometido?



Paulo Stark - Acreditamos que continuaremos participando de licitações até o julgamento final do caso dos Correios. Isso é importante para nós e para o setor público também. Na área da saúde, a Siemens está presente na maioria dos hospitais. Se ficarmos fora das licitações, vários hospitais públicos não terão mais peças de reposição e não farão as manutenções necessárias.



Muitos terão de fechar algumas áreas de diagnóstico. Hoje, 50% da energia elétrica brasileira passa por equipamentos Siemens na geração, na transmissão ou na distribuição. Temos convicção de que tudo será esclarecido no julgamento.



EXAME - As outras empresas envolvidas nas investigações do caso de formação de cartel estão também evoluindo em termos de transparência?



Paulo Stark - Não. Elas negam que houve cartel. Dizem que não podem comentar investigações em andamento e que estão cooperando com as autoridades. Vale a pena perguntar às autoridades se isso é verdade. Temos ouvido que a única que está ajudando é a Siemens.



EXAME - Por longos anos, a imagem da Siemens no Brasil vai estar ligada à corrupção. Como o senhor pretende reverter isso?



Paulo Stark - É verdade que muita gente fará essa ligação. Mas espero que as pessoas também lembrem que a Siemens ajudou a pôr fim a um ciclo de irregularidades. Na verdade, a percepção das pessoas já está mudando. No início, éramos descritos como uma empresa sem ética.



Depois, passou a ser “Siemens, a ingênua”. As pessoas perguntavam por que decidimos denunciar a nós mesmos. Mais recentemente, começamos a ser reconhecidos como pioneiros. Temos recebido visitas de várias empresas que vêm examinar como nosso departamento de compliance trabalha. Temos falado em vários eventos. Que não reste dúvida: nós fizemos a coisa certa ao denunciar.



EXAME - Que impacto o escândalo teve entre os funcionários da empresa?

Paulo Stark - Desde o começo, fizemos um trabalho intenso de comunicação interna. Para que as pessoas pudessem explicar o que estava acontecendo a familiares, amigos e clientes. Falo com centenas de gerentes sempre que aparece um fato novo. A pior coisa que poderia acontecer seria nossos colaboradores ficarem com vergonha.



EXAME - Qual foi o efeito do estouro do escândalo na sua família?



Paulo Stark - Nos primeiros meses, prestei muita atenção nos meus filhos. Expliquei tudo a eles. Fiquei preocupado que pudessem ouvir alguma brincadeira de mau gosto na escola ou na rua. Até agora isso felizmente não aconteceu.



EXAME - Qual foi o momento mais tenso até agora?



Paulo Stark - Foi quando houve o vazamento do acordo com o Cade. Não estávamos esperando. Houve outros casos semelhantes no Cade sem que as informações vazassem. Sabíamos que o ambiente político iria incentivar as pessoas a prejulgar. Isso tem sido uma constante.



Cada vez que sai uma notícia ou alguém importante se pronuncia, a tensão volta a subir. Mas o pior foram os primeiros 33 dias. Saíram algumas informações erradas na imprensa e estávamos legalmente impedidos de esclarecer qualquer coisa. Não podíamos dizer nada.



Falou-se em um superfaturamento de 30% para todos os projetos, algo sem fundamento. Levamos uma saraivada de balas de todos os lados sem poder argumentar. A vontade era de dizer: “Não atirem no mensageiro”.



EXAME - Até que ponto a economia brasileira está suscetível à formação de cartéis?



Paulo Stark - Os setores com poucos concorrentes são os mais sensíveis. Nos últimos anos, o Brasil abriu muito as portas para empresas chinesas e de outras partes da Ásia. Isso é positivo. Diminui a possibilidade de formação de cartéis.



EXAME - Qual é a melhor maneira de combatê-los?



Paulo Stark - Para as autoridades, esse é um tipo de crime difícil de pegar com base em investigações próprias. Israel talvez seja a exceção nesse sentido. A autoridade concorrencial lá faz um trabalho de investigação que às vezes consegue identificar uma ou outra irregularidade.



No restante do mundo, os crimes na área da concorrência são pegos somente com a denúncia de um dos integrantes. Se a Siemens não tivesse feito a denúncia, ninguém nunca teria ficado sabendo desse suposto cartel.



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