De Washington a Brisbane, por Daniel Afonso da Silva

Portal Plantão Brasil
24/11/2014 09:12

De Washington a Brisbane, por Daniel Afonso da Silva

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1290 visitas - Fonte: Jornal GGN

O núcleo da discussão financeira da reunião do G20 em Brisbane foi a necessidade de fixar mecanismos para forjar o crescimento de ao menos 2% – por volta de 2 trilhões de dólares – da economia nos próximos cinco anos para promover a criação de dezenas de milhões de postos de trabalho de qualidade mundo afora. Uma simples leitura do communiqué final do encontro aduz essa compreensão. O que talvez não emirja tão claramente do documento seja o conjunto de convicções envolvidas na discussão. Algumas delas merecem ser explicitadas. Para isso é fundamental voltar ao começo.



Observadores e analistas sugerem que o 15 de setembro de 2008, 9/15, foi tão decisivo quanto o 11 de setembro de 2001, 9/11, na moldagem do meio internacional neste início de século 21. Enquanto o 9/11 precipitou o ingresso na China na OMC, o 9/15 impôs a politização do G20.



O G20 foi criado como congênere financeiro do G8 que é majoritariamente político.



O G8 foi produto das crises dos anos setentas. Mais precisamente a erosão dos acordos de Bretton Woods com o presidente Nixon e choques do petróleo. 1971 e 1973. Esses dois movimentos conduziram à agudização do processo de financeirização do mundo e relance da globalização.



O G20 teve origem no agudo choque da globalização financeira averiguado no efeito dominó de crises nas economias asiáticas em 1999. Nesse momento foi convencionado que seria importante o encontro regular dos ministros das finanças das principais economias do mundo para programar elementos de “gestão criativa” para a promoção de maior “eficiência” da globalização. A ineficácia dessa estratégia foi apreendida na crise financeira de 2007-8-9. O efeito colateral direto colocou o G20 em mutação.



Dias após o desaparecimento do Lehman Brothers no 9/15, o presidente Lula da Silva, reabilitando o lendário Celso Furtado – cuja ausência ainda se faz notar –, afirmava na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas que era chegada a hora e a vez da política. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, e o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, seguiam, com o apoio de alguns outros, a mesma cantilena.



Ficava subentendido que a crise tinha tido origem nos Estados Unidos e havia sido impulsionada pelo presidente Bush e sua guerra ao terror em resposta ao 9/11. Também e enfim ficava patente que a economia era algo muito sério para marinar nos autoenganos de economistas e ministros de finanças. Ia assim se firmando a necessidade de intervenção dos chefes de estado no encontro multilateral das 20 principais economias do mundo. O primeiro momento dessa intervenção ocorreria em 14 e 15 de novembro de 2008 em Washington.



Nesse período, o vazio de poder concorria com o frio do distrito federal dos Estados Unidos. O primeiro presidente negro tinha sido eleito como expressão do desejo de superação da era Bush e seus demônios. O Yes, we can de Barack Obama envolvia o conjunto das intenções. O ambiente sugeria que o câncer que era a crise financeira, da bolha imobiliária e do subprime, poderia ser retirado com o entusiasmo advindo das eleições.



Seria leviano considerar a reunião G20 em Washington como meramente protocolar. Mas é importante considerar que foi em Londres e Pittsburgh que o aspecto financeiro da crise foi resolvido.



Em Londres e Pittsburgh, abril e setembro de 2009, o protagonismo dos países ditos emergentes foi decisivo. Os Brics, liderados pelo presidente Lula da Silva, foram ouvidos e considerados de maneira exemplar. O Brasil – e os demais emergentes em boa condição – passou a viver seu momento. Aquele onde se entendia que o futuro havia chegado.



Nos encontros de Toronto e Seul, junho e novembro de 2010, esse protagonismo foi declinando. Os rising powers continuaram recebendo alguma manifestação de respeito, mas com menor intensidade.



O esvaziamento do G20 estava em plena marcha. O G8 – cujos países também compõem o G20 – voltava a preponderar. A crise financeira havia sido, tecnicamente, solucionada. O mundo passava a amargar as suas decorrências. Crises econômicas, sociais, políticas, institucionais e morais. Essas decorrências ajudam a explicar, em boa medida, a emergência de movimentações como as vistas na rua árabe a partir de fins de 2010, na Costa do Marfim, e, sobretudo, em inícios de 2011, em Tunísia, Egito, Líbia, Síria, Bahein. Como também possibilitam compreender os occupy e los indignados que inundaram em protestos as principais capitais do mundo. Algo dos protestos brasileiros de junho de 2013 pode, inclusive, ser decorrentes dessa onda.



Mas voltando ao G20, o seu progressivo esvaziamento levou a reunião a ocorrer uma vez ao invés de duas ao ano. Cannes em 2011. Los Cabos em 2012. São Petersburgo em 2013. Brisbane em 2014.



Depois de Cannes foi sendo criada uma convenção em torno do impacto das crises sobre os países emergentes. Após demonstrarem alguma resistência à estocada financeira mundial de 2008-2009 e conseguirem crescimento acentuado em 2010 – o Brasil, por exemplo, tocou 7,5% de crescimento –, esses países passaram, na maior parte dos casos, a declinar. O Brasil pode ser tido como caso clássico. A queda livre o conduz a ter estimativa de crescimento progressivamente menor desde 2011. Para 2014, otimistas e pessimistas aguardam 0,1% de crescimento.



A preocupação frente à derrocada dos emergentes fez da resiliência um mantra dos organismos internacionais. Os relatórios gerais do Banco Mundial, do FMI, do PNUD de 2013 e 2014 todos trazem a ampliação da resiliência nos países periféricos como objetivo imperativo para a sua sustentabilidade democrática. O ambiente de Brisbane de dias atrás foi imantado por essa convicção. O esforço geral de demonstração desse ambiente pode ser apreendido do importante e oportuno Think tank 20 – Growth, Convergence and income distribuition: the Road from the Brisbane G-20 Summit – da Brookings Institution.



Seu argumento principal admite que, no atual estágio dos impactos da crise de 2008, a formulação de políticas econômicas mundiais precisa considerar a vinculação integrada entre crescimento, convergência e distribuição de renda. A essência da estratégia de ação proposta em Brisbane supõe essa vinculação. Sobre se surtirá efeito; quem viver verá.



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