227 visitas - Fonte: Paulo Moreira Leite
Foi possÃvel comprovar no debate da Bandeirantes que Marina Silva escolheu o caminho mais confortável para fazer campanha eleitoral.
Se você passar as ideias de Marina numa máquina de fazer suco, irá sobrar um ponto: a pregação da unidade. Marina diz que o Brasil está cansado da polarização. Diz que o tempo de conflito entre PT e PSDB acabou. Afirma que é preciso unir os bons, os capazes, os honestos, que estão em toda parte, em todos os partidos. Diz que o paÃs está cansado de criticar uma “elite†onde se encontram Neca Setubal e Chico Mendes, e também lideranças indÃgenas e grandes empresários. Olha que bonito. Não há poder econômico, nem desigualdade, nem classe dominante. Não há, é claro, um sistema financeiro de um paÃs que, tendo a sétima economia do mundo, possui bancos cujo rendimento encontra-se entre os primeiros do planeta.
É bom imaginar que o mundo é assim. Relaxa, conforta. Permite interromper o debate e tirar férias. Pena que seja uma utopia de conveniência.
Mais. É uma fantasia que não cabe na biografia de Marina Silva. Pelo contrário.
Poucas vezes se viu uma história de divisão e desagregação como método de ação polÃtica.
Veja só. Ela rompeu com o governo Lula, onde fora instalada no Ministério depois da campanha — de oposição — contra o governo Fernando Henrique Cardoso. Saiu do PT e foi para o PV. Saiu do PV e foi para a Rede. Incapaz de unificar os militantes e ativistas que queriam transformar a Rede num partido, bateu à s portas do PSB depois de denunciar a decisão do TSE. Criou casos, brigas e divergências desde o primeiro dia. Brigada à esquerda e à direita do partido, era protegida por Eduardo Campos, a quem interessava contar com seu Ibope para evitar um desempenho pequeno demais no primeiro turno. Marina estava isolada dentro do PSB, afastada dos principais dirigentes, quando, por “força divinaâ€, como ela diz, ocorreu a tragédia que permitiu que se tornasse candidata a presidente. Seguiu brigando: logo de cara o secretário-geral, homem de confiança de Miguel Arraes, patrono histórico do PSB, foi embora da campanha, dizendo que não iria submeter-se “à quela senhora.†Outras brigas ocorreram. Outras foram suspensas porque, pela legislação eleitoral, já venceu o prazo para candidatos a deputado, senador e governador trocarem de partido.
O discurso da unidade pode ser real. Depois da posse de Lula, o paÃs buscou e construiu uma unidade polÃtica real, que nunca esteve isenta de conflitos, mas se destinava a atender a uma necessidade histórica reconhecida: ampliar os direitos da maioria, diminuir a desigualdade, desenvolver o mercado interno e definir um papel altivo do paÃs no mundo. Melhorias que estão aÃ, à vista de todos.
Mas a “unidade†pode ser um recurso retórico para apagar as diferenças — reais e importantes — entre os candidatos a presidente. Permite fugir do debate real, desfavorável quando travado com lucidez e racionalidade. Ajuda a fingir que todos são equivalentes em virtudes e defeitos, e podem ser colocados no mesmo nÃvel. Elimina-se a história, num esforço para apagar a memória.
Marina precisa minimizar os bons dados do emprego, do consumo, do salário mÃnimo, preparando o terreno para revogar essas mudanças.
Este comportamento ajuda a criar a ilusão de que todos — banqueiros e seringueiros para começar — têm as mesmas ambições e mesmos projetos. A mágica fica aqui: basta que surja uma liderança providencial — olha a força divina, de novo — para convencer todos a dar-se as mãos em nome do bem, sob liderança de Marina Silva. Não há projeto, não há o que fazer. Tudo pode ser o seu avesso, ao sabor das conveniências.
A sugestão é que só faltava aparecer alguém com tanta capacidade permitir que isso ocorra em 2014. Felizmente, essa personagem apareceu. Sou totalmente favorável a liberdade de religião mas temo que, em breve, alguém possa sugerir que oremos olhando para agradecer.
Essa linha de argumentos é uma tentativa de eliminar as conquistas e vitórias importantes dos últimos anos, passar uma borracha nos avanços obtidos e preparar a revanche dos derrotados de 2002.
Por isso Marina fala de uma unidade que esconde dados reais. Os economistas de seu cÃrculo são tão conservadores que já reclamaram dessa “extravagância†brasileira que é comer um bife por dia, como já fez Eduardo Gianetti da Fonseca. Dizem que a humanidade andou consumindo demais e que o regime de contemplação tÃpico da religião budista pode ser uma condição para o progresso, como já disse André Lara Rezende, que, coerentemente, já escreveu que a posição do paÃs na divisão de riqueza mundial não lhe permite ambicionar um crescimento econômico em taxas mais do que medÃocres. Todos celebram o governo de FHC como patrono da moeda sem lembrar que em seus dois mandatos a inflação subiu mais do que nos anos Lula e também nos anos Dilma. Todos lamentam o Brasil de 2009 — justamente o momento em que Lula reagiu a crise mundial e impediu que o paÃs afundasse como a Grécia, a Espanha, a Irlanda, quem sabe a França. Balanço para 2014: defender a independência do Banco Central em cima desses selvagens, entendeu?
O esclarecimento das opiniões e o conflito de ideias são elementos indispensáveis da democracia, como ensinou Hanna Arendt, autora essencial para se entender que as ditaduras e governos autoritários nascem pela negação da existência de classes sociais e interesses divergentes.
Foi este o aprendizado que, numa longa caminhada iniciada no ABC de Luiz Inácio Lula da Silva, nos estudantes que enfrentaram a ditadura, nos trabalhadores rurais do Acre de Wilson Pinheiro e Chico Mendes, foi possÃvel construir uma aliança polÃtica nacional capaz de abrir brechas num sistema de poder eternizado pela força bruta dos cassetetes e por vários salvadores da pátria.
Este é o debate.
Follow @ThiagoResiste
APOIE O PLANTÃO BRASIL - Clique aqui!
Se você quer ajudar na luta contra Bolsonaro e a direita fascista, inscreva-se no canal do Plantão Brasil no YouTube.