Fabricante da proxalutamida, ´´a nova cloroquina``, diz que estudos médicos bolsonaristas enviados à Anvisa tem indícios de fraude

Portal Plantão Brasil
28/7/2021 10:17

Fabricante da proxalutamida, ´´a nova cloroquina``, diz que estudos médicos bolsonaristas enviados à Anvisa tem indícios de fraude

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2465 visitas - Fonte: O Globo

Os estudos clínicos realizados no Amazonas sobre o uso da proxalutamida, a "nova cloroquina" propagandeada pelo presidente Jair Bolsonaro, foram excluídos pela fabricante da substância da relação de pesquisas de referência apresentadas no pedido de autorização feito à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uma nova pesquisa, aprovada na semana passada.







A proxalutamida é um bloqueador hormonal sintético ainda em estudos no combate ao câncer de próstata e o de mama. O trabalho controverso, coordenado por pesquisadores brasileiros com o apoio de um obscuro laboratório americano e uma rede privada de hospitais de Manaus, é alvo de uma investigação na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).



Segundo o que os pesquisadores divulgaram na época em uma coletiva de imprensa, a proxalutamida teria eficácia de 92% no tratamento de pacientes graves da Covid-19. Na ocasião, o elevado número de mortes descritas no trabalho – 141 inicialmente, mais de 200 reportadas posteriormente à Conep – suscitou na comunidade científica a suspeita de que ou os dados tivessem sido manipulados para forçar um resultado "milagroso", ou seus coordenadores teriam deixado parte expressiva dos voluntários morrerem durante a realização do estudo, já que não seria possível aferir se os óbitos em excesso ocorreram no grupo placebo ou entre os que receberam a droga.







A nova pesquisa foi autorizada pela Anvisa no dia seguinte a uma entrevista do presidente Jair Bolsonaro, ao receber alta de um hospital em São Paulo, em que ele disse que o remédio “existe no Brasil de forma não ainda comprovada cientificamente, de forma não legal, mas tem curado gente”. A Conep, que investiga as irregularidades no estudo de Manaus, também autorizou essa nova pesquisa.



A chinesa Kintor Pharmaceutical, fabricante da proxalutamida, confirmou não ter enviado os resultados do Amazonas à Anvisa. A empresa afirma que os dados do estado foram excluídos porque se referiam a voluntários hospitalizados, enquanto o ensaio registrado agora na Anvisa vai acompanhar pacientes ambulatoriais.



Na nota com as respostas sobre o caso, a empresa ressalta que o estudo atual é "independente", sem relação com o ensaio feito em Manaus.







Para pesquisadores ouvidos pela reportagem, porém, a justificativa da Kintor não é consistente com a praxe de outros estudos clínicos. “Por qual razão você vai descartar um estudo que salva 92% dos pacientes graves? Se essa descoberta é verdade, os dados poderiam ter sido aproveitados. O descarte levanta mais suspeitas ainda”, diz José Gallucci-Neto, pesquisador e médico-assistente do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. “Parece que a própria Kintor desconfia que os pesquisadores atuaram sem o rigor metodológico”.



Para solicitar a condução de um estudo de fase 3, a etapa mais abrangente de um ensaio clínico e que atesta ou não a eficácia de um tratamento, é preciso apresentar dados consistentes e promissores de fase 1 e 2. Mas, se não usou os dados do Amazonas em sua apresentação à Anvisa, quais foram as evidências apresentadas, então? Não se sabe. Nem o laboratório e nem a Anvisa fornecem essa informação, que afirmam ser sigilosa.



A exclusão dos dados do Amazonas no pedido feito à Anvisa representa uma mudança de estratégia da própria Kintor. A desenvolvedora da proxalutamida é parceira nos Estados Unidos da Applied Technology, que registrou, planejou e patrocinou o estudo entre pacientes da rede de hospitais Samel. O chefe do estudo, Flavio Cadegiani, é diretor clínico da empresa.







Depois que uma série de reportagens do blog mostrou as suspeitas que as irregularidades no estudo amazonense despertavam na comunidade científica, a farmacêutica chinesa procurou se aproximar de outros centros de pesquisa, como a Unifesp, e agora busca dissociar sua imagem dos pesquisadores iniciais.



Além do elevado número de mortes constatado no estudo, outras inconsistências foram identificadas não só por pesquisadores, mas também pela Conep.



Segundo fontes da comissão ouvidas pela reportagem à época, a pesquisa não poderia ter sido conduzida no Amazonas, uma vez que tinha sido registrada no Distrito Federal. Além disso, o protocolo do ensaio propunha que ele fosse voltado para pacientes de quadros leves a moderados. Mas, ao final, os resultados apresentaram dados de pacientes graves.







As inconsistências não interferiram apenas no planejamento da Kintor. Levaram também o infectologista Ricardo Shobie Diaz, da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), a desistir de coordenar um dos grupos dessa nova pesquisa. “Fui orientado a não assumir o trabalho de fase 3 porque não havia garantias de que os dados de fase 2 (no Amazonas) estavam corretos”, explicou Diaz.



Os indícios de irregularidades ainda levaram dois grandes laboratórios farmacêuticos, a Aché e a Eurofarma, a recusarem uma parceria com os autores do estudo do Amazonas para viabilizar a proxalutamida no país, como mostrou o blog em abril. As mesmas lacunas foram repercutidas pela prestigiada revista científica Science no fim de junho.



“A Science, um dos periódicos científicos mais renomados do mundo, sutilmente disse que o estudo não parece ser muito crível. Obviamente a Kintor tem receio de se queimar”, diz Gallucci. “Os resultados são muito bons para serem verdade. Ainda mais se tratando de Covid. Nenhuma droga com exceção da dexametasona teve um sucesso robusto. Mas eles apareceram com dados melhores do que os das vacinas”.







Além da Kintor, procuramos o pesquisador Flávio Cadegiani, responsável pelo estudo de Manaus, para comentar a exclusão de seus dados do pacote enviado à Anvisa. Por meio da sua assessoria de imprensa, ele repetiu a justificativa da Kintor de que o estudo aprovado pela Anvisa é voltado para pacientes ambulatoriais. Questionado sobre a estranheza da empresa chinesa ignorar a eficácia supostamente assombrosa da proxalutamida no estudo amazonense, ele justificou que a independência de estudos em diferentes traz “mais segurança e credibilidade”.



Também pedimos à Conep que comentasse a autorização dada a essa nova pesquisa, mas não obtivemos resposta.



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